tenho aquele amor louco pelo rádio. uma coisa que não passa, que não termina, que não muda. mesmo quando estou distante, tratando da vida de outras formas e me ocupando do expediente de ouvinte, ouço como quem vê o avesso. faço questão de me perturbar com vinhetas mal feitas, encontrando as possibilidades de melhoria. persigo os volumes não normalizados no Sound Forge. vibro com as …
consigo reparar algumas coisas nessa nova estação. este movimento de passar ano após ano pelos mesmos fenômenos me fez um pouco obcecada em reviver as cócegas dos primeiros dias de quando o tempo muda. agora, em outro andar do globo. experimento uma confusão. enquanto vejo folhas caindo, procuro pela primavera. as manhãs são frias, mas dentro de mim há a esperança de verão. nunca pensei …
é o que estou a fazer. descolei um trampo em uma vindima. passo minhas horas de camponesa a encher caixas com uvas que serão vinho. a uva e o vinho. entre os mil processos que acontecem entre uma ponta e outra, estou eu, inserida nesse contexto surpreendente que me exige força e bom humor, atenção e fone de ouvido, tesoura e chapéu. muitas coisas passam …
detergente, sabonete, sabão para a roupa e outras coisas do gênero estavam na minha lista do mercado.essas anotações não diziam sobre a qualidade da limpeza da casa nem da minha higiene pessoal. não se tratava do que faltava em meus armários ou em minha despensa, as prateleiras estavam lisas e de café a arroz, de biscoito a ovos, era preciso entupir um carrinho. mas, na …
a caixinha de correio aqui de casa é do tipo esculpida na pedra do muro. um buraco escavado e moldado que de um lado avisa ao carteiro e de outro tem uma porta que pode, se for o caso, ser trancada até com cadeado. é super bem feitinha e gosto de pensar como consegue, com simplicidade e competência, resolver o negócio de correspondências. faça chuva …
um campo verde. verdinho. e tem aquele azul por cima mais o dourado e os outros tons das árvores que emolduram o despenhadeiro ao fundo.lá embaixo, o rio, as pedras, e todas as águas que rumam, dizem, para o mar. a parede de pedra sustenta torre, sino, silêncios e dores de vários tipos.restos de corpos descansam a sete palmos de onde piso.pelo aspersor, a frescura …
faço trocadilhos entre os consertos da vidae os concertos de sábado à noitee misturo o café de todo diacom o pontual das onze, sem-açúcar-com-afeto-por-favor.ouço o violão,a corda miacordohá cordacordacardocardíacomi, a cordami, o cárdio miocárdio – trocadilhos dedilhados no violão…
por sorte moro em um lugar com muitas janelas e delas posso observar os mais diferentes acontecimentos. daqui vejo gatos que se enfrentam sem a força física. ocupam a voz para impor o vigor em duelos que duram muito tempo. estáticos se dizem sobre território, domínio, limites. frutas, silenciosas frutas, esverdeiam, amarelam, avermelham-se e, doces e maduras, se espatifam na calçada para a sorte de …
estou em Portugal. um endereço novo para a velha carcaça que ainda consegue se jogar em sonhos mal planejados e planos super extravagantes. aqui – cercada de montanhas que não sei os nomes, de flores que não obedecem a chuva e rios que se desesperam em correntezas disformes – descubro, todo dia, uma nova urgência. abarroto os dias com urgências. antes de dormir, olhos vidrados …
não fume, me dizem. não preciso da nicotina, do tabaco, das mais de não sei quantas substâncias e venenos. não preciso do câncer, nem do enfisema. detesto o fétido nas roupas e na pele. aqueles minutos de nada; a brasa e o cinza; o girar do isqueiro, o clique e a chama. a fumaça. e sobretudo o silêncio. o momento de silêncio e solidão, este …