pérolas, porcos, cães e outras coisas

Mateus 7:6 – “Não deem o que é sagrado aos cães, nem atirem suas pérolas aos porcos;
caso contrário, estes as pisarão e, aqueles, voltando-se contra vocês, os despedaçarão”.

tenho poucas obrigações. no entanto, sou obrigada a muitas coisas.
tento desenhar minha vida de uma forma que haja alguma possibilidade de escolha.
isso traz uma série de consequências: mais leveza, mais tempo, menos dinheiro, esquecimento em algumas vertentes profissionais, menos chateação, mais insegurança.
é uma balança complexa de avaliar e equilibrar.

quando alguém se mete a querer uma vida com mais qualidade, tem que arcar com essas respostas práticas e imediatas.
querer ter tempo e recursos emocionais para lidar com as questões mais importantes da vida parece que é uma afronta, um desaforo, um mal sem precedentes ao mundinho neoliberal.

querer trabalhar menos e passear mais; optar por uma vida mais simples em vez de acumular cifrões; esquentar o rosto no sol outonal em detrimento do aquecedor do escritório; deixar de lado uma promoção para poder almoçar em casa todos dias, neoliberalisticamente falando, são crimes.
crimes punidos com os horrores do mundo capitalista que pode começar com a demissão e terminar com o despejo, a fome, sei lá…

apesar de tentarem pela vida inteira, a minha e todas as outras antes de mim, me ensinar que o trabalho dignifica, eu não consigo pensar assim.
o que me dignifica, o que aponta minha dignidade, são outras coisas. todas elas envolvidas com outros assuntos que não têm relação com o universo do dinheiro, do precificar e vender.

se hoje, com muita vergonha, tristeza e raiva, preciso vender o meu tempo a causas que não me representam, faço isso de um jeito mínimo.
a minha contabilidade avalia quanto tempo ainda tenho pela frente e o que preciso para sobreviver. e é só. a partir daí, faço tudo da melhor maneira que posso. não da forma que esperam, mas da melhor maneira que posso – às vezes é pérolas aos porcos, às vezes é aquém.
aquém. além. depende.

o meu tempo e o meu empenho são as únicas ilusões que tenho.
saber disso desagrada muita gente.
desagradar, neste caso, verbo transitivo indireto.
ou direto, dependendo de quem lê…

quer comentar? não se acanhe.

Pin It on Pinterest