meu corpo no mundo


estava na cama, meio dormindo, meio acordada, cogitando minha existência, quando me ocorreram alguns pensamentos. tudo muito prosaico. coisas como levantar, ligar o aquecedor, tomar banho, café… 

este é um resumo. 

meu jeito de pensar é muito detalhado. na cama vou fazendo os planos de quanto tempo terei antes de entrar no banho e a forma de calcular é exaustiva e para narra-la, não sei exatamente quais verbos e quais tempos usar, porque tudo se dá em imagens: ‘ligar o aquecedor do banheiro, ir até a cozinha para ligar o aquecedor da água, voltar para o banheiro, escovar os dentes com a escova elétrica, ir até o quarto, pegar as tralhas, voltar ao banheiro quentinho, tomar banho…”. 

acho que é por isso que levanto exausta e termino o dia sem saber direito o que me cansou. 

saí cedo de casa. 

no caminho fiquei pensando nessas coisas. e, antes de levar um tombo e me estabacar no asfalto, cheguei a um outro pensamento. 

para os sentimentos eu sou diferente. fico escarafunchando verbos, adjetivos, substantivos para chegar a uma narrativa coerente. 

os sentimentos não têm imagens, eles se formam a partir de frases, coisas como: ‘estou arrependida de tal coisa porque sei que agi errado, contra os princípios que cultivei teoricamente e na hora da prática forcei uma justificativa que não cabia…’. 

depois do espetacular tombo, de limpar os ferimentos, de sentar no meio fio e cogitar pedir ajuda, pensei em outra coisa.

tenho uma noção espacial errada. quando jogo meu corpo no mundo, não considero a gravidade, a gravidade da gravidade. 

me imagino flutuando por aí, no espaço livre, onde não cabe saber da porta, do meio-fio, da quina da cama. 

meu corpo não conhece limites. 

e é isso que me faz cair, tropeçar, bater.

vez ou outra acho que a cama me falta, que os apoios sumiram e que me esborracharei na próxima fração de segundo. 

a desconexão do corpo e da mente deste mundo e suas regras são a prova inconteste de que não pertenço, de que mais cedo ou mais tarde a nave-mãe pousará aqui, me estenderá a mão e falará, ‘pronto, chega, vem, Adriana’.

quer comentar? não se acanhe.

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