ontem à noite comi pizza. nada pode ter de extraordinário na informação. principalmente se considerar o fato de que ela vem, de mesa em mesa, desde o Egito, daquela época em que seus habitantes eram chamados de egípcios, o que significa muito tempo de calendário.
há também a versão de que os gregos, também de um tempo que acumula todas as antiguidades, foram os inaugurais do prato.
de qualquer modo, a massa ultrapassou os séculos, cruzou países e caiu no prato dos italianos muito antes de Cristo dar o ar da graça no mundo ou dos italianos serem italianos mesmo. os etruscos aperfeiçoaram o lance.
comer pizza, como se vê, é um hábito que não reflete nada de excepcional.
mas penso nesse disco de delícias como se fosse um jardim cheio de caminhos e divisões imaginárias que convergem para aquele ponto em que tudo se mistura e ao mesmo tempo se separa.
o centro da pizza é boa metáfora sobre os acontecimentos da vida. melhor, é metáfora sobre como não são os acontecimentos da vida.
aliterando, o asterisco risca o disco e transforma a massa em triângulos.
este movimento, para mim, é a síntese, o resumo de tudo que nos acontece.
de uma hora para outra, passamos a querer fatiar. o amor, as horas, o trabalho, a grana… a ilusória tentativa de partição como se cada pedaço pertencesse a um universo separado, como se não fizesse parte da mesma roda, do único círculo, da indivisível forma que sustenta tudo.
é um erro achar que cada parte seja autônoma.
não há assunto estanque no tabuleiro da existência. o emaranhado de confusões que começa-termina no centro nunca poderá se transformar em triângulos independentes.
nunca.
nos meus achismos, que quase sempre resultam das minhas pequenas catástrofes pessoais, percebo que queijo e massa, portuguesa e marguerita, joio e trigo, alegria e sofrimento, entusiasmo e decepção, beijo e briga, são a mesma coisa. são cara e coroa, duas faces da mesma moeda.
a vida é uma grande pizza, metade isso, metade aquilo.
a vida é uma única grande pizza.
