reminiscências

sempre tinha uma meia ou um cinto de pano ou uma camisa velha no fundo do cesto de vime onde ficavam as roupas para passar.
mesmo quando minha mãe, uma tarde por semana, forrava a mesa da lavanderia com um cobertorzinho e um lençol velho, colocava Clara Nunes para girar, e passava a roupa de toda família, esgotando as forças e a paciência, no final do cesto permaneciam aquelas peças solitárias, desgarradas, que não faziam parte de nenhum mundo.

havia uma frigideira funda, toda polida por dentro, quase espelho, mas com uma crosta preta do lado de fora guardada na estufa do fogão.
ela saía de lá para transformar uma coisa crua em outra crocante e dourada.

no portão, vez ou outra, apareciam umas flores arrancadas do jardim. era o aviso de que alguém tinha vindo visitar e não encontrou gente em casa.
minha mãe, nervosa e confusa, tentava adivinhar quem teria passado por ali e à noite, depois das oito horas, quando a ligação era mais barata, passava a telefonar para as amigas, as primas, os irmãos, as tias, até descobrir o remetente.

eu tinha olhos muito molhados. uma tristeza infantil que sempre esteve comigo e que me trazia uma comoção sobre esses fatos.

quer comentar? não se acanhe.

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