ressonância magnética

fui fazer ressonância magnética. nem sei direito o que é uma ressonância magnética, mas o doutor achou que era recomendável e eu, como de costume, obedeci.

estou numa escalada progressiva de exames. comecei com um raio-x, evoluí para ecografia, passei à tomografia e agora cheguei à ressonância magnética.
nome bonito este. coisa sonora. e, ainda por cima, com contraste.
tudo parece tão harmonioso que tivesse talento poderia até tratar disso em versos, só palavras interessantes aos ouvidos: imagem, diagnóstico, molécula, definição, ondas de rádio… adoro!

pois bem, cumprindo as ordens médicas, fui para o samba da ressonância. marquei no improvável horário das sete da madrugada, no inacreditável domingo. mais fácil o jejum e o trânsito.

depois que preenchi questionário, jurei coisas, aceitei termos e condições, vesti aquela roupa azul, uniforme dos personagens de Grey’s Anatomy, e fui para a sala.
no teto, uma imagem de cerejeira, ao meu lado um enfermeiro gentil, disse que talvez doesse um pouco a picadinha do contraste, que os fones de ouvido me protegeriam do barulho da máquina e que mais instruções viriam de acordo com o exame.
prendeu meus pés, enfiou uma armadura que cobriu tórax e braços e lá fui eu, a deslizar para dentro do túnel.

a primeira coisa, uma coceira no nariz, na testa, nos olhos, em qualquer lugar que minhas mãos não alcançassem. superei. depois o silêncio. um incrível e imenso silêncio. a paz do mundo. a ausência do mundo.

fiquei ali, imóvel, entregue às reflexões. há muito que eu não tinha um tempo assim, em que pudesse pegar um pensamento pelo laço e destrincha-lo sem distração.
o tempo passou por mim, eu passei pelo túnel, a vida ficou estanque.

quinze minutos depois, dois enfermeiros e uma enfermeira, com toda gentileza possível entraram na sala, me escorregaram para fora da câmara e me disseram que eu tinha que trocar de máquina, aquela estava enguiçada – sim, alguém usou esta palavra.

vestida de azul, caminhei pela clínica.
nova sala. no teto, coqueiros, com cocos verdes e um céu muito azul. não é bom ter um decalque de coqueiros com cocos no teto porque dá a impressão que eles podem despencar a qualquer momento.

todo o texto foi repetido, como se o enfermeiro fosse um guia turístico da Bahia ensaiada e eu uma turista crente.
de leve, muito de leve fui sendo conduzida ao túnel mais uma vez. fechei os olhos e imaginei que estava num trem, viajando numa classe muito chique, que minha cabina tinha cama, que a paisagem era bonita e que logo chegaria a um destino outonal, com folhas grandes, vermelhas e cheias de pontas, penduradas nas árvores.

o exame passou por mim, eu passei pelo túnel e quando terminou não queria mais sair dali. contei ao enfermeiro e ele, perplexo: primeira vez que escuto isso

é preciso trocar coqueiros por plátanos.
ou por dente de leão.

quer comentar? não se acanhe.

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