solidão de capela

uma abóboda existe mesmo sem sabermos o seu significado.
ainda que não se compreenda como é possível sua engenharia, ela está lá.
por mais que o seu tamanho, função, exatidões ou qualquer outro detalhe de suas concavidades sejam ignorados, a abóboda é e está.

os bancos, as cruzes e as imagens dos santos; o incenso, as cadeiras e o órgão; o coro, as velas e os túmulos; as portas, os relicários e as colunas; o altar, a escada e os castiçais. tudo é e está na realidade dura dos objetos, na volta dos substantivos concretos.

uma igreja é um espaço entulhado de coisas óbvias e táteis para tratar só do que não se pode ver nem tocar: a fé, o poder.
também é para tratar de dinheiro, mas não me dá vontade de falar sobre isso.

fé é uma palavra usada nas religiões e no direito. é uma gíria e um exemplo de monossílabo terminado em e.
fé é acreditar numa coisa que não se sabe, que é sem estar, que está sem ser.

quando meu irmão me perguntou sobre minha fé, fiquei muda. meu silêncio inteiro foi interpretado como uma afronta, um desaforo, um desrespeito.
o julgamento do meu irmão não cabe na solidão da capela. aceitei-o porque sei que ele ignora o fato de que a fé não é uma escolha ou uma decisão.
compreendo sua falta de paciência com os meus sentimentos – com os meus não-sentimentos.

na minha solidão de capela consigo, ainda, nutrir algumas lições que aprendi dentro da religião, mas que são um modo de ser e estar no mundo.

passei muitas horas do meu domingo sozinha numa capela. quase o dia todo. e naquele silêncio gelado só consegui reafirmar as fés que me acompanham desde sempre.
nenhuma delas tem a ver com igrejas, templos ou outras ofertas parecidas.

quer comentar? não se acanhe.

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