trem

minhas malas estão prontas 

sei que não voltarei mais
nunca mais. 
 
arrumei tudo, 
shampoo, escova e tamanco
aquele vestido de borboletas
e a bolsa azul.
 
etiquetei a bagagem 
meu nome, meu sangue
toda minha história e dois cadeados
três cartas de lembrança 
e o velho anel. 
 
pesam muito minhas malas
a vida inteira ali dentro
mais a saia reta e o scarpin marrom
dois amuletos, 
a fotografia dos meus pais 
e as anotações para o futuro. 
 
não voltarei mais
nunca mais
 
e levo na bagagem a certeza
da vida que passou
a camisa de gola rolê 
os cartões para colocar no correio
e todas as esperanças. 
 
embarcarei no trem das oito
as duas malas prontas 
a vida inacabada 
e a certeza que não voltarei
 
não me falta nada 
carrego o creme para as mãos, 
a calça de botões dourados 
e o crucifixo no pescoço.
 
na partida, nada ficará de mim
não haverá traço, marca ou memória.
 
passagem nas mãos 
os documentos guardados 
a coleção de lenços, 
o casaco de frio, a imagem do santo
e a certeza que não voltarei mais.
 
voarei livre e leve
como se não tivesse comigo
as partituras da nossa música
a camisa verde de chiffon 
e a maquiagem provisória.
 
levo tudo comigo 
as malas cheias de vestidos
papeis antigos 
e um biscoito para o caminho 
e a certeza que não voltarei
que não voltarei nunca mais.

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