ao trabalho

há qualquer coisa bem diferente no quartinho nas últimas semanas. minha facilidade com a escrita convidou o trabalho para uma longa dança e esqueceu que a música é um lance também, e principalmente, do prazer e de outras coisas que se parecem com ele.

escorrego os dedos pelo teclado e em segundos sou absorvida por assuntos que não são meus, que se espalham em mim como a única coisa possível. virei meu rosto para o oeste e esqueci do mar…

não é ruim. é preocupante. de repente deixei de lembrar de sol, árvore, passarinho, elegância, Cartola, suavidade. de uma hora para outra minhas unhas ganharam esmalte diferente. fui dormir sonhadora, acordei com os pés fincados no trabalho.

esqueci que vez ou outra faço piquenique na pracinha às três da tarde de uma quarta-feira ou que gosto de passear pela XV numa manhã qualquer da semana ou, ainda, que Marguerite Duras está aqui do lado e que Antonina mora muito perto.

arregacei as mangas e batuco sem parar outras histórias. o registro de mim se apaga da memória na mesma velocidade do acontecimento do fatos.

de vez em quando vejo um lance bonito e tiro uma fotografia, decerto é para ver se consigo comunicar tudo que está ao meu redor a mim mesma. nesses momentos, penso numa ou duas frases a respeito como se eu fosse escrever e só. paro por aí porque o texto, o meu, não está em mim, não é para mim.

de quando em vez ouço uma música nova. a percebo com toda sua força e imediatamente uma série de imagens se montam na minha cabeça, nenhuma coordenada, nenhuma que possa ser descrita daquele jeito tão íntimo e particular.

literatura? estampada na estante como se fosse um imenso, colorido e mudo papel de parede. não escuto as vozes dos poetas.

sigo na minha aventura momentânea com a lembrança de uma citação de Kafka que um amigo me enviou: “Um escritor que não escreve é um monstro cortejando a insanidade”.

quer comentar? não se acanhe.

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