arco-íris noturno

Fogos de línguas de dragões
Vagalumes
Numa nuvem de poeira de neon
Tudo claro
Tudo claro à noite
Assim que é bom

Paulo Leminski

a foto que estampa este post não é minha. infelizmente.
peço licença ao autor ou a autora para contar sobre esta maravilha que aconteceu no céu de Vila Real.

o Nego Pessoa me dizia que cultivava hábitos noturnos porque não havia forma de uma noite, por ela só, ser mais alegre ou mais triste do que outra.
durante o dia, se a coisa fosse nublada, ficava um tanto sorumbático; com a chuva chegava junto uma depressãozinha.
à noite, isso não acontecia, a variação de luz não o incomodava, no máximo despertava umas emoções quando havia lua inteira. ou uma comoção nas primeiras horas da crescente.

sempre gostei mais do dia e assumo, caso consumado, as variações de humor de acordo com as intempéries.
sou diurna.
funciono como se todo o meu corpo fosse um girassol obediente e sacramental, que tem no sol a sua consagração.

no final de semana aconteceram muitas coisas estranhas por essas bandas. chuva, neve, sol, lua cheia, ventania. algumas coisas acompanhei da janela, outras senti na pele.
mas foi nesta madrugada, quando ontem já era hoje, que aconteceu aqui, bem aqui no céu que fica em cima de mim, a coisa mais maravilhosa, surpreendente e poética que uma noite qualquer poderia oferecer.
um arco-íris.
um arco-íris noturno.
um arco-íris lunar.

vi por fotografia.
vi um milhão de vezes por fotografia.
um arco-íris à noite, como se em um único momento tudo pudesse existir e ser colorido e lindo e completo.

o jornalismo pegou o fenômeno e ligou para o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. tudo foi explicado cientificamente.
usaram palavras como refração, gotas de água, luz, reflexos, lua e muitas outras, todas com morada na poesia.
roubaram as palavras da poesia sem nenhum crédito ou menção.
surrupiaram os vocábulos da poesia.
despiram a poesia.
chicotearam a poesia.
e tudo que poderia ter sido, virou “raios de luz solar (ou lunar) sofrem refração nas gotas de chuva, sendo o ângulo de refracção uma função do comprimento de onda da luz. Após a refração, uma parte dos raios de luz sofre uma ou duas reflexões na face interna das gotas, e de seguida, uma segunda refração na direção do observador”.

mil vezes o Leminski que era capaz de antever. acredito nele.

O fogo
O foco lá no beco e um farol
Essa noite
Essa noite vai ter sol



Post scriptum – descobri que a fotografia é de José Luís Santos. parabenizo e agradeço pelos hábitos noturnos.

quer comentar? não se acanhe.

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