coleção de passado

resolvi dar nomes às rugas.
cada vinco, a tradução de sua causa. todos eles, claro, obedecem ao conjunto da idade e seria mais honesto creditar à certidão esse rosto que se precipita em sinais irrecuperáveis. mas nomear minhas linhas com os nomes do meu passado faz minha distinção no mundo. diz quem eu sou, como cheguei até aqui.
assim sou única.

tenho rugas que se chamam filhos, Dé e Lívia. elas são as mais bonitas e aparecem quando sorrio. também são as mais marcadas, porque por eles sofri mais que por qualquer outra causa.
gosto delas. mesmo as provocadas em momentos difíceis. são provas de que cheguei neste mundo, plantei, ensinei, aprendi e, de alguma forma, venci, venho vencendo – mesmo que na causa alheia.

também tenho rugas que se chamam pais. começaram nas obrigações da infância, ganharam força na adolescência e foram se espalhando e modificando nas coisas da vida adulta.

meus irmãos, o Zeca e a Dani, tiveram seus papeis e como os outros laços familiares, continuam firmes.

amigos, colegas, conhecidos, vizinhos – todo mundo foi, é, responsável por uma dobra em maior ou menor intensidade. por bom motivo ou por coisa que poderia ter sido evitada.

carquilhas por falta de grana, por gargalhadas em viagem, por medo do desemprego, por choros de poesia, por ver uma aranha, por ouvir música linda, por entrar na Lojas Americanas, por sentir perfume em campo de lavanda, por calçar sapato apertado, por dançar na neve… marcaram o meu rosto.
namorado, ex-namorado, futuro namorado, futuro ex-namorado. marido e ex-marido também.

saudade, amor, covardia, TIM, susto, temor, alegria, expectativa, Leroy Merlin, entusiasmo, literatura, Netflix, festa de Natal, discussões sobre o Brasil, suco de morango gelado, carnaval na Bahia, banho de sol, caipirinha em Antonina, lançamento de livro. tudo acaba estampado no corpo, no rosto.
e eu sigo, a repetir cada uma das coisas que compõem minha coleção de passado e, não bastassem, ainda invento outras. e acho tudo isso bom. e me sinto viva. e me olho no espelho e reconheço minha caminhada. e tenho vontade de repetir, às vezes até com as mesmas pessoas.

minhas rugas têm nomes. gosto disso.
mas vez ou outra visito o dermatologista.

quer comentar? não se acanhe.

Pin It on Pinterest