perigo

tenho inimigos. não muitos. os mais nocivos moram aqui em casa e por algum motivo que não sei explicar, os cultivo.

o primeiro deles chama-se internet banda larga, com tentativa de performance wi-fi. há anos me acompanha. chegou com a promessa de me facilitar a vida. seduzida, deixei que entrasse. feito noiva apaixonada, confiei no que me foi dito. depois do casamento, assumi papel de esposa submissa. reclamação pouca, insatisfação muita. vou levando, enlouquecendo à miúde, vivendo das migalhas que me são lançadas e que não matam fome. contrário, abrem apetite. GVT.

outro que chegou por aqui foi o inexplicável 3G. tão cafajeste que era, mandei embora. o substituto tinha boa propaganda. prometia mais, melhor, que o anterior. já no nome proclamava suas bravatas e, iludida, deixei-o ficar. pior. permiti que me acompanhasse. tirei a imagem de São Jorge da carteira e fiz do tal 4G minha companhia permanente. um fingido, isso sim, porque passa a maior parte do tempo alheio; não dá atenção às minhas necessidades, debocha de meus anseios. um tipo ausente, mas que não tem vergonha de me cobrar fatura. TIM.

a seguir, na lista dormindo com o inimigo, literalmente, está minha cama. minha própria cama. lugar que deveria ser sagrado, altar santificado para as noites de descanso ou animação. templo para preguiça ou disposição. ela me confere prazeres, mas basta que eu lhe dê um sinalzinho que a deixarei e trata tudo com suas artimanhas femininas. levanto e num piscar de olhos tudo se transforma. no começo supunha que era coisa de nos acostumarmos uma à outra, que com o tempo saberíamos nossos tamanhos e o tanto que representamos no espaço. engano. mais de um ano depois, ela me maltrata as pernas, me pinta com cor roxa, que tende a um esverdeado horrível e incurável, dia após dia minhas canelas são castigadas. quina da cama.

à noite, geralmente quando está frio ou estou muito cansada, outro ser que me incomoda se revela. tem ares de amizade, cumplicidade até, se coloca como companheira que espalha conforto. cansada, depois de um dia cheio, de bater a canela na cama, me deito. me acomodo na gostosura quentinha e macia do repouso e pesco, ao longe, a força de mil refletores de campo de futebol. tenho que interromper minha dança com Morfeu para me levantar e dar um basta na situação. luz acesa na cozinha.

e para fechar a lista, que é longa, mas que não posso enfrentar por conta do pavor que a realidade me causaria, está um conjunto de diabólicos itens que se misturam, transmutam e me enlouquecem.
tampas de potinhos plásticos: somem, evaporam, fogem do armário para nunca mais voltarem. inexplicavelmente arranjam meios de escapulir e se vão.
pés de meias da Lívia: alguns não se suportam. simplesmente decretam o divórcio e pulam para outra. que outra? impossível saber, não deixam pista, apenas desaparecem, largando para trás o que antes era par e agora só dor e solidão.
talheres: não interessa o número de vezes que coloque ordem, não importa as divisões. nada é levado em consideração, e num carnaval indecente, quando a gaveta é fechada e o escurinho protege as personalidades, garfos pulam no colo de colheres, facas se esfregam em saca-rolhas e colheirinhas de sobremesa se dão ao desfrute com escumadeira. não há apartheid na gaveta de talhares.

paro por aqui. ou isso ou fugir de casa.

quer comentar? não se acanhe.

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