despedida

Verão,

venho por meio dessas mal traçadas linhas me despedir.

sei que por muitas vezes briguei, reclamei, mandei-o pra longe. usei minhas armas infalíveis: o ar condicionado, o leque e o protetor fator 50. mas nada, nadinha, significa que eu queria, de fato, que você fosse embora assim, definitivamente. fique, fique mais um pouquinho.

sou toda apelos.

mas sou gratidão também.

nessa temporada, você me deu cada final de tarde que nem sei dizer. deixou que eu passeasse livre, leve e solta nas feiras da cidade. compôs, nota a nota, as serenatas dos passarinhos que vieram cantar aqui na minha janela. revelou a alegria de outros sistemas, com estrelas que piscaram pra mim todas as vezes em que olhei pra elas. fez brotar flores coloridas e cheirosas. e, humilde, se derramou em torós para mostrar que pode estender a mão aos que lhe consideram forte demais.

você permitiu que moças bonitas estampassem contornos e bronzeados em vestidinhos floridos e que os rapazes desfilassem a elegância dos chapéus Panamá. claro, sempre há indisciplinados que confundem os seus sinais e pensam em shorts curtos demais ou em bonés virados pra trás, com o perdão dessa rima tosca, por favor.

mas o melhor foi quando comecei a reclamar daquelas pestes, trajadas de mosquito, mariposa e outros voadores, que se grudam em você e pegam carona em seu esplendor. quando eu já não tinha mais forças para o combate, veio o Natal, e de presente ganhei inesperados 14 graus. os bichos se assustaram e foram embora.

ah verão! quando você me deu seu primeiro sinal de partida, ajustando meus relógios para o horário original e sem graça, tive vontade de chorar. mas fiquei firme, achei que se o obedecesse direitinho, se fosse pontual e se não reclamasse muito, você continuaria, se agarraria à desculpa do aquecimento global e arderia por mais tempo.

troco de estação deixando pendência. faltei ao nosso encontro maior, àquele que até hoje nunca havia largado: não fui à praia, não cheguei perto do mar, não fiz nossa comunhão anual. desculpe. por favor, me desculpe. não foi por falta de vontade ou intenções ou planejamento, a vida não permitiu.

minha liberdade chegou ao fim. a partir de agora, trancar-me-ei em casacos e boleros e observarei, melancólica, a queda sem freios das folhas, das saias, da temperatura.

prometo que avançarei os meses com você em meu horizonte.

na esperança de que não demore, na vontade de que quando pinte o primeiro ipê você tenha saudade e junte-se à Primavera e volte mais rápido, me despeço.

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