em busca do carro perdido

depois que roubaram meu carro, todas as vezes que vejo modelo semelhante fico procurando os detalhes que só o meu tinha, para ver se descubro o paradeiro.
é quase uma obsessão. até nas ruas da Europa o cacoete me acompanhava.

não tenho mais intenção em ocupar meu ex-carro, a não ser por motivo de venda, claro. mas me revolta que alguém tenha dedicado tempo, inteligência, cálculo e ter dado adeus a sua honestidade para me roubar.
é uma afronta.
mesmo tendo consciência que um ano e pouco depois, não há motivos para eu acreditar que o encontro ainda seja possível, sigo na busca porque há algo em mim que se sobrepõe à razão.

hoje fui rapidinho ao banco. enquanto andava vi, parado do outro lado da rua, carro muito parecido com o meu.
atravessei. me aproximei. o mesmo carimbo no para-choque traseiro, feito por um manobrista do estacionamento ali onde era o Touring; o mesmo raspão no retrovisor esquerdo, que eu mesma tratei de marcar numa noite na minha garagem; o mesmo exclusive modelo; a mesma cor.

a prova dos nove, era a parte de dentro. me curvei na janela do motorista e comecei a investigar – aquela coisa de fechar o rosto com as mãos para que a claridade não atrapalhe. reconheci o sistema de ar condicionado, precisava de mais.
fui para a janela de trás e neste momento, uma voz me assustou: ‘está procurando alguma coisa?’. a moça estava a alguns metros entre assustada, furiosa e curiosa.

‘este carro é seu?’, perguntei. ‘por quê?’, perguntou.
tive medo. e se fosse pessoa que faz parte de uma parcela que compra carros roubados pela metade do preço, troca as placas e anda por aí na maior cara de pau?
achei que ela também teve medo. e se eu fosse pessoa que faz parte de uma parcela que aplica golpes que começa com uma conversa mole e atrai a vítima para uma emboscada?

expliquei a situação.
ela ouviu.
para provar que nem tudo está perdido neste mundo, no gatilho do controle remoto abriu a porta do carro, puxou do porta-luvas os documentos e me mostrou, como se eu tivesse alguma autoridade para o gesto.
depois me contou que ganhou o carro dos pais quando se separou do marido.
e contou que a separação não foi fácil.
e que iria de carro para a praia, mas tem medo de dirigir na estrada.
e que é engenheira química.
e que parou o carro ali porque precisava fazer um pedido na farmácia ali perto.
e que não gosta mais de sair à noite.
e que tem três filhos.

não achei o carro, mas acho que ganhei uma amiga. obrigada, Aline.

quer comentar? não se acanhe.

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