no trânsito

cada quilômetro que passa tenho menos vontade de dirigir. o que em outro momento era prazer, hoje é tortura.

procuro o máximo que posso andar a pé. não é por consciência urbana nem por saúde física nem por disposição excedente nem para poder observar melhor a paisagem. pra falar a verdade, nem os engarrafamentos que são cada vez mais frequentes e espalhados pela cidade me afetam muito.

me faz mal o comportamento das pessoas. tem um tipo de gente que me causa demasiada tristeza e ela se revela com honestidade absoluta no trânsito. essa gente, dona de muita mesquinharia humana, dirige. carros velhos, novos, de dois andares, de passeio, esportivo, sedan, automático, raro, popular, não importa. uma vez donas do volante, a verdade se revela e ela chega cheia de intolerância, mau humor, má vontade, irritação, egoísmo.

não penso que acham que são donos das ruas, mais parecem donos do mundo. não admitem solidariedade, deslize alheio, amparo, gentileza. é um comportamento selvagem, coberto de críticas, gritos, buzinas, fechadas, xingamentos. feio, triste.

não sei em qual curva da humanidade que a besta-fera que vive dentro de cada um achou que ruas e avenidas é lugar para se soltar.

essa barbárie me causa um abatimento tão grande, me esgota, me perturba e me faz infeliz. não precisa ser diretamente comigo, ver de longe essas situações piora muito minha vida.

penso em vender meu carro. por isso, tenho feito os mais diversos testes para ficar definitivamente a pé e avaliar o grau de dificuldade entre o que tenho que fazer e o que uma filha adolescente que começa a participar do mundo das festas noturnas exige. ontem, pela pressa de voltar pra casa, peguei taxi. procuro não prestar atenção no trânsito justamente para não dar conta da barbárie, mas não tive como não perceber a fechada que o meu chofer levou. me assustei, ele também. meteu a mão na buzina, o que me assustou mais, mas achei que fosse reflexo de aviso. qual o que? quando o sinal ficou vermelho, ele não teve dúvidas, puxou o freio de mão, largou o cinto, abriu a porta e saiu destrambelhado a gritar com o dito cujo que provocou o sobressalto. gritos, palavrões e ele entrou de novo no carro a rosnar pelo erro alheio. meu coração acelerou, cheguei em casa chorando.

ainda bem que não tenho tendências a generalizar, caso contrário, me passaria pela cabeça que não há esperanças para humanidade.

quer comentar? não se acanhe.

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