os donos da verdade

tenho cá meus problemas com os donos das verdades absolutas. eles são chatos, cheios de limites. restringem o mundo, as coisas do mundo, a um quadrado nada elástico e o que é válido tem que caber ali.

criticam, sangue nos olhos, quem pensa diferente. não conhecem bem o significado da palavra respeito e estão completamente afinados com a intolerância.

os donos das verdades absolutas gostam de levantar a voz e apontar o dedo, torcem o nariz e fecham os ouvidos.

há tanta gente por aí, formações, histórias, olhares. e os mistérios que se sobrepõem entre o céu e a terra e aniquilam a nossa vã filosofia? e o Shakespeare? e o Pixinguinha? e Bach? da Vinci, Hawking, Fernanda Montenegro? o cara da peixaria, o cortador de cana, o empresário falido que deu a volta por cima, Ella Fitzgerald, a dona de casa, Pagu, Cecília Meirelles, o mecânico da esquina, a costureira? e todas as sete bilhões de pessoas do mundo, que se misturam e se distinguem por suas particularidades, aprendizados e ensinamentos?

os donos das verdades absolutas não sabem nada de ninguém, reúnem meia dúzia de teorias pontuais, as distorcem para que possam ser aplicadas em todos os cantos. não sabem de nada. não conseguem enxergar além dos próprios óculos. nos dias de generosidade, tenho pena. às vezes desprezo, às vezes raiva.

mais: os donos das verdades absolutas acham que têm mais direitos que os outros. conseguem barbarizar qualquer situação pela satisfação de impor seus precários conceitos. e seguem sendo desagradáveis, inoportunos, irritantes, azucrinantes.

acho que aqueles caras que gritaram com o Chico Buarque dia desses são dessas pessoas. eles são iguaizinhos aos vândalos de torcida de futebol quando avistam camisa do time contrário. ou aos fanáticos religiosos que condenam qualquer outra prática que não as suas. ou qualquer outro grupo de extremistas. onde já se viu perder a civilidade e gritar com uma pessoa por conta de suas opiniões políticas?

não sou do time do Chico, infelizmente nem no que o admiro. minhas observações do país e minhas experiências não permitem que concorde com sua posição política. mas se eu o visse na rua e se por algum motivo estranhíssimo tivesse um rompante e fosse falar com ele, acho que lhe perguntaria as horas ou uma informação de endereço ou cometeria todas as ousadias do mundo e pediria uma foto ou, ainda, passaria a mão no telefone e ligaria pra Camis, que o adora, e pediria que desse um alozinho pra ela, que desmaiaria na outra ponta da linha. mas nunca, nunca mesmo, o interpelaria com agressões sobre em quem ele vota ou defende. não faria, não faço, isso com ninguém. eu não sou dona da verdade absoluta. e talvez isso, por si só, já seja uma verdade absoluta.

“Não enche o saco do Chico”, Vitor Velloso e Marcos Frederico

quer comentar? não se acanhe.

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