mensagens para o futuro

faz muito tempo que iniciei o hábito de escrever cartas para o futuro. de mim para mim. escrevo para continuar dentro de mim mesma sem enlouquecer com a solidão. escrevo porque tenho coisas a dizer. escrevo porque é a única forma de continuar.minhas cartas são os bonecos de neve que construo da matéria que ainda continua em volta. são o salto na piscina que espalha a …

nova língua

rasguei as poesias todas as folhas. puxei do sabugo as letras trôpegas e esmigalhei cada uma. sozinhas, aos pedaços, não são nada a não ser a lembrança, vaga lembrança, de quando eram escolhas. queimei os livros, um por um, sobraram as capas e uma tempestade enfurecida que se joga, incendeia nuvens acaricia o caos, abre-alas para próxima etapa. discuti com as palavras inventei os nomes …

do que é vago, incerto e incompreensível

poucas pessoas entendem do que é feita uma escritora. quase ninguém. ninguém. ninguém além de mim. a frase correta é assim: ninguém imagina o percurso insano que sou obrigada a percorrer para chegar até aqui e batucar esse monte de inutilidades.  ninguém sabe, por exemplo, que todas as noites acordo com frio. e que isso é necessário para que eu cumprimente a madrugada; para que …

o novo

estico as pernas embaixo da mesa do café e estranho a vontade dos músculos, para sempre eles me pedem encolhimento, retração, joelhos dobrados, coluna curvada, olhos nos sapatos. respiro fundo e percebo a felicidade do pulmão. sempre castigado: fumaça, poeira, ares curtos, todos os ácaros. entendo a vontade do corpo, essa hora que marca o grito e o tirar, peça por peça, de toda a …

o sol levanta

do quarto, da cama, deitada, vejo o sol nascendo. antes que ele boie, provoca as cores, refaz o céu, anuncia a estreia.  penso, quieta, que o dia que começa terminará sua volta antes que eu o compreenda, porque são assim todos os dias, generosos e injustos, coloridos e misteriosos. reluto sair da cama porque, presa na contradição, quero mais tempo. e deixo que os ponteiros …

coleção de passado

resolvi dar nomes às rugas. cada vinco, a tradução de sua causa. todos eles, claro, obedecem ao conjunto da idade e seria mais honesto creditar à certidão esse rosto que se precipita em sinais irrecuperáveis. mas nomear minhas linhas com os nomes do meu passado faz minha distinção no mundo. diz quem eu sou, como cheguei até aqui. assim sou única. tenho rugas que se …

parar de escrever

pensei em passar um tempo sem escrever. não traçar nenhuma linha, não conjugar, não tratar de achar os cognitivos para minhas ansiedades. deixar que as letras fiquem em caixas, trancadas, descoladas, misturadas e sem sentido. fiz um plano de leitura. um mergulho em canais fundos em que tenho boiado com certa displicência porque sempre me ocorre alguma coisa para dizer. e quando nada me perturba …

cuidado, frágil

não falo da fragilidade da flor: pétalas suaves tez macia cores de festa espetáculo de divisão não digo da delicadeza do poema: versos de amor voos de aves ritmo conforme o tema palavras em canção me refiro à vulnerabilidade da bomba, o fio errado, o passo em falso o toque na artilharia e a grande explosão.

disléxica

tenho um traço de dislexia.  ele aparece aqui e ali em textos pouco revisados e em leituras que arrastam parágrafos num vaivém demorado até retomar, ou achar, o fio da meada e seguir. não há muito que eu possa fazer em relação a isso. já tentei algumas providências que não alcançaram o sucesso esperado.  medidas contrárias que reforçam o problema tenho aos montes.uma delas é um vício recente: …

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