surpresa na pracinha

uma de minhas obrigações diárias é levar o cão para passear na pracinha. gosto do cão, de praça e de passeio, a palavra obrigação é que me lança numa profunda preguiça e má vontade. mas é também o que mantém a rotina e a certeza de surpresas num dia qualquer de uma semana assim perdida no calendário.

para melhorar a vida, há algum tempo montei um esquema, que vez ou outra quebro só para que não se torne intransponível. reúno algumas coisas numa sacolinha molambenta e me mando. resolvi que todos os dias, ou todas as noites a depender das circunstâncias, é tempo de um mini piquenique.

no começo levava café num copo de cerâmica com tampa que tenho aqui e lia por meia hora um livrinho sem motivo enquanto o cão fazia suas descobertas habituais. uma noite dessas, estava com vontade de tomar vinho, mas achei meio extravagante atravessar a rua com uma taça na mão e resolvi colocar o Bordeaux numa garrafinha de água mineral, como se fosse um suco de uva; sentada na praça me senti um tanto vulgar em tomar Bordeaux numa garrafa plástica e acabei jogando-o fora. teve um dia em que preparei salada de frutas e quando abri o potinho me lembrei que não havia levado colher, tomei desajeita o suco e joguei as frutas do lado de uma árvore com a intenção de passarinhos. uma vez estava a ler uns versos de Bukowski e precisei dizê-los em voz alta para a compreensão e fiquei lá, sentada no meio da praça a recitar O Pássaro Azul. já teve dias que atendi o telefone, as vezes levo o telefone, e passei minha meia hora numa conversa infinita sobre as coisas do mundo, minha nega. e também aqueles em que gastei o tempo no voyeurismo dos passantes da praça.

a tampa do copo parou de funcionar e isso me irrita um pouco. hoje levei um choco-milk geladinho e estava entre a leitura e o café da manhã quando li: “Se você se concentrar bem, vai perceber que está sempre sendo observado pela realidade. Dou meia-volta e olho para qualquer precipício sideral e sei que a realidade está atrás de mim e me observa”. primeiro tive medo. depois fiquei confusa. por último ri. tive a sensação de que a realidade me observava e, de repente, essa foi a maior e mais segura descoberta que fiz na vida.

quer comentar? não se acanhe.

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