divisão silábica

falei sobre minha decisão, emocional e infantil, de não começar frases com letras maiúsculas. não gosto. não vejo sentido em consentir poder maior para quem não fez por merecer…
é uma tentativa de igualdade, de fraternidade, de aplicar justiça a todas as letrinhas que dão as mãos e partem para um objetivo superior, o texto.

pois bem, outra coisa tem me incomodado ultimamente: separação de sílabas. penso que as letras se viram, se enamoraram, se prometeram e se casaram para que nada as separasse. o que a palavra uniu, a translineação não separa.

a separação de sílabas é uma amputação, uma tirania com a palavra, é transformar o que antes formava feliz comunhão em intenção de vocábulo.

as linhas são tapetes convidativos aos mais felizes – ou infelizes – desfiles. permitem que se espalhem por elas, que as preencham, que dancem, chorem, contem, desabafem, confidenciem, comemorem. as linhas consentem tudo e conhecem único limite, o fim do papel, aquilo que aprendemos por margem. pois nesse sentido de liberdade por que cargas d’água insistimos em separar as palavras? sílabas não se fazem sozinhas, não o são se não estiverem integralmente grudadinhas com suas parceiras.

torço pelo dia em que nenhuma palavra conheça a faca cortante do hífen, pelo momento em que nenhuma flecha atravesse a palavra res-pei-to, por exemplo.

antes que esse tempo se revele, fiz importante descoberta. o Dé me disse que quando o verbo vier seguido de pronome oblíquo e os dois, verbo e pronome, que estavam em namoro, só tendo um tracinho entre eles para chegarem às vias de fato, não couberem assim na mesma linha, serão separados e cada um ganhará seu próprio hífen como marca do que lhes foi compelido. a tratar de maneira mais prática: se eu escrever amo-o, mas se não amá-lo a ponto de ficarmos juntinhos, eu fico na linha de cima com meu hífen (amo-) e ele vai para a de baixo com o hífen dele (-o). na separação de bens desse divórcio, todo mundo tem direito a tudo, então dobra-se o número de tracinho e que cada um seja feliz no lugar em que estiver no papel.

a regra tem uma lógica e ela se dá de um jeitinho bem luso de ver a vida: se só a primeira palavra ganhar hífen, o resultado será amoo, ora pois! e isso serve para uma quinta-feira qualquer ou um mal-humor rotineiro ou a visita de um amigo porto-alegrense.

não gosto de divisões. ainda mais quando elas chegam assim, com a regra que alguém inventou pra mim. de agora em diante, não castrarei palavras.

quer comentar? não se acanhe.

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