na fotografia alheia

há alguns anos estava com Dé em Paris. era verão, muito verão. um calor cuiabano distorcia a paisagem e todo mundo procurava jeito de amenizar os 40 graus que vinham pelo ar, batiam no asfalto e aumentavam no andar.

era dia de museu. pela terceira vez o Dé entrava no Louvre. eu, seduzida por um flautista que soprava ternuras no corredor externo do museu e as lembranças de umas aulas que havia tido sobre as esculturas do lado de fora do prédio, resolvi fazer meu passeio ao ar livre.

caminhei por horas em volta do Palais du Louvre a reparar na arquitetura, esculturas, mensagens. o conjunto todo precisa de muito fôlego para ser espiado e tudo aquilo me emocionou mais do que eu esperava. foi um dos dias mais bonitos da minha vida.

onde há muita beleza, há também muita gente – pra contrastar, decerto. vi também os mais variados tipos humanos. gente a dar as costas para história e fazer pose para os retratos, gente que anda em grupo e fala em grupo, gente solitária a fumar em silêncio diante daquela imensidão, gente a fazer planos de visitação, gente a vender quinquilharias, gente a fazer book para catálogo de prostituição, gente a brincar no chafariz, gente, gente, gente que não acabava mais.

flertei com um grupo. gajos da universidade de Coimbra comemoravam final de curso. eles eram animados, provocadores, alegres. me divertiu observá-los naquela bagunça infinita. fotografei-os, ri, respondi perguntas e aceitei animada quando me convidaram para figurar em um de seus retratos. depois fui embora sem mais.

até hoje os tenho na memória e consigo ouvir suas gargalhadas portuguesas em roupas pesadas de frio especialmente carregadas para as fotos da viagem de formatura no verão europeu.

nessa lembrança fico a pensar se eles levaram a fotografia que tiraram comigo ou optaram por apagá-la ao receber a conta das revelações. gosto de pensar que estou lá, a figurar no álbum de recordações de viagem da turma; não me importa a realidade, prefiro acreditar que continuarei para sempre como a brasileira que eles chamaram para pose. e que sigo, seguirei, tantos anos depois, com o mesmo rosto sorridente, o gesto de diversão, o olhar por cima dos óculos, o colar de florzinhas e o contentamento por estar exatamente ali naquela hora.

quer comentar? não se acanhe.

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