eu falo de amor em outra língua as vezes ocupo olhos para ouvir uso as mãos, sei pelo cheiro e declaro na canção eu trato do amor no avesso no inverso, no contrário o oposto que é meu reverso a imperfeição de mim no descompasso, converso eu caminho pelo amor como quem anda ou quem corre melhor, quem para e no beijo morre eu sei …
a Soêvia veio aqui em casa. nem sei direito como explicar o fato desse dia ter demorado tanto pra chegar. mas Soêvia veio, e com ela trouxe sorriso escancarado, simpatia quase obscena, conversa estonteante e o olhar cúmplice. passou da porta com a afirmação, não trouxe nada, cheguei com as mãos abanando. e as mãos da Soêvia abanam o mundo, chacoalham a existência, aplaudem sonhos, …
na verdade, acho que todo dia é meu aniversário. o abrir dos olhos é o renascer; cada vez que a Terra se arrodeia, cada desaniversário, cada um dos 364, deveria ser comemorado e reconhecido e agradecido e desejado e presenteado e especialmente conduzido como aquele com data certa. é verdade, cada dia com a chance de vivê-lo, de completá-lo como ciclo único e como parte …
tenho a impressão de que tudo que escorre para o papel é uma espécie de resquício de mim, um resto, vestígio de alguma dor ou alegria que finjo. mas, definitivamente, só finjo aquilo que sinto. talvez as palavras sejam como lágrimas. gotas que não são boas ou ruins, mas que são boas ou ruins. o eterno exercício da comunicação, a tentativa sem fim de dizer …
carrego-a comigo em todos os lugares em que passo. quando saio, meu sotaque se acentua; minhas tintas ficam mais fortes; tenho orgulho e contradições a respeito das araucárias – somos isso, mas não só isso; falo de clima e parques, histórias e teatros, músicos e escritores, avenidas e bosques. viro guardiã, protetora, assumo todos os valores e até umas coisas meio positivistas despencam em mim, …
ano passado, por essa época, encasquetei que era hora de uma cadeira decente aqui pro quartinho. é preciso tratar com respeito as horas de computador. na época, elegi a boa e velha Cimo, tive meus motivos e eles cobriram várias bases, desde o conforto até a estética. meu pai tinha uma Cimo, formava conjunto com escrivaninha e armário da mesma família. escritório completo e elegante …
não tenho aptidões tecnológicas nem interesse em desenvolvê-las. sei algumas coisas porque elas já se popularizaram tanto que pra não ficar tão feio, tratei de assimilá-las. as vezes faço cara de inteligente e uso palavras como provedor, cachê, pop-up, html, byte, mas não sei se elas estão corretamente inseridas nos contextos. é fato que alimento minha ignorância todas as vezes em que coloco o manto …
lugares de onde nunca retorno, que moram em mim, insistem na memória, embaralham o presente, e transbordam na vida…
a coisa boa de ser ignorante é a condição inesgotável para grandes surpresas. mais de quatro décadas depois do lançamento, conheci Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar. obviamente já me tinha sido indicado e por duas vezes já o tinha comprado. nenhuma delas durou muito aqui na estante, logo passaram para as mãos dos amigos atentos: o primeiro me disse que adorava e não tinha mais; a …
“a vida não passa de uma longa perda de tudo que amamos”, Victor Hugo. todos os dias me despeço. de tudo. o anoitecer é o adeus ao dia, é o aumento da distância da infância, do primeiro amor, dos filhos pequenos. o anoitecer é dizer mais uma vez, reafirmar de aceno, que aquele sorriso foi embora, que o brilho do olhar virou, que há um …