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pode ser que seja este o último dia da vida e eu, confusa, caminhe pela cidade a procurar a saída desta noite escura a testar todas as chaves no que conheço como única fechadura ou me jogue, sem rede, de toda esta altura de onde vivo, sem saber, a grande, irreparável, inconcebível, loucura. pode ser que seja este o último dia da vida e eu, …

velhar

acho que chega um momento em que a gente fica velho. assim, de um dia pro outro: dorme jovem, acorda velho. e depois disso só continua velhando, conforme aqueles do conto Fita Verde no Cabelo do Rosa “… como velhos e velhas que velhavam…”. o processo do corpo até pode parecer com o de uma maçã muito suculenta que ao passar dos dias ganha cor, …

a fria

sou curitibana e gosto de falar do tempo. não sinto problema nessa conversa repetitiva. gosto. é um dos trunfos de quem nasce por aqui. muito calor, muito frio, muita chuva, a geada, e aquele vento, o aeroporto fechado, o céu azul, o formato das nuvens, a imprecisão do Instituto. na sala da minha vó tinha uma casinha daquelas em que um homem e uma mulher …

no ar

não sou um tipo muito covarde. tenho uns medos, só isso. coisa normal, como os outros sete bilhões e os outros não sei quantos que vieram antes da gente. o medo comedido protege. é inteligente temer algumas coisas. pronto. não preciso me expandir sobre isso, lugar comum dos conhecimentos psico-botecais. avião: tenho alguma insegurança, um receio por estar infringindo uma lei natural, um desconforto por não …

coroa e cara – na casa dos 40 anos

“Os 40 anos são uma idade terrível. É a idade em que nos tornamos naquilo que somos.” (Charles Péguy) pergunto, você sabe o que é elipse? procure aí na gramática mais próxima e siga comigo. “a vida começa aos quarenta”. sim, começa. a piorar, a degringolar, a descer ladeira. normalmente as pessoas preferem não tascar o que falta nessa frase porque é muita decadência num …

aliquid pro aliquo

a chuva caiu de umas nuvens muito brancas que amanheceram no dia de hoje. quando acordei senti os pingos a molhar a rua, me apareceram na cor das cortinas, os ouvi no barulho dos pneus dos carros. gosto quando a segunda-feira começa assim. não sei explicar, mas é espécie de namoro com a cama e por mais que eu tenha que largá-la na primeira hora, …

meus amigos e eu

eu e meus amigos estamos a ficar velhos temos todos, eles e eu, cabelos brancos vontades próprias, passado numeroso e algum problema nos joelhos os meus amigos e eu aprendemos algumas coisas e nos entulhamos de fotografias nós não confiamos mais na memória mas nos damos ao luxo de decorar poesias todos nós temos mais passado que futuro e a morte nos ronda e a …

amanhã é meu aniversário

na verdade, acho que todo dia é meu aniversário. o abrir dos olhos é o renascer; cada vez que a Terra se arrodeia, cada desaniversário, cada um dos 364, deveria ser comemorado e reconhecido e agradecido e desejado e presenteado e especialmente conduzido como aquele com data certa. é verdade, cada dia com a chance de vivê-lo, de completá-lo como ciclo único e como parte …

despedida

Verão, venho por meio dessas mal traçadas linhas me despedir. sei que por muitas vezes briguei, reclamei, mandei-o pra longe. usei minhas armas infalíveis: o ar condicionado, o leque e o protetor fator 50. mas nada, nadinha, significa que eu queria, de fato, que você fosse embora assim, definitivamente. fique, fique mais um pouquinho. sou toda apelos. mas sou gratidão também. nessa temporada, você me …

cores austrais

sinto a despedida. o verão me acena seus últimos suspiros. essa virada de ciclo sempre me assusta e impressiona. a brisa fresquinha, o amanhecer a apontar 14 Célsius, a noite se apresentando no horário do dia. as folhas cairão, o sol se esconderá mais rápido. e, sei, sentirei a lembrança das tardes azuis a fazer fundo na casa de madeira da minha avó com a indestrutível …

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