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os óculos e eu

um pouco de idade e um pouco de composição genética me fizeram recorrer a óculos. fui ao doutor. ‘assim é melhor?’ ‘ou assim?’ ‘e agora, melhorou?’ ‘se eu mudar, melhora ou piora?’ ‘consegue ler a última linha?’ ‘e assim, consegue?’ depois da primeira troca de lentes, me perco totalmente. tudo fica pior e tudo fica melhor. minha resposta só depende mesmo do tom da voz …

o monstro que mora em mim

não me movimento mais durante discussões. não porque me falte argumentos ou por preguiça de conta-los. acontece uma coisa comigo durante debates que procuro evitar. um monstro feio, louco de pedra, mora em mim. eu o nino com algumas delicadezas, ele adormece e fica lá, quietinho, quase morto, como se não existisse. mas quando provocado, quando tirado de suas profundezas, ele explode indomável, furioso, inconformado. …

entre enxaqueca e outras coisas

tinha planos para o feriado. uma dorzinha de cabeça começou me beliscar devagarinho. inoportuna, inconveniente, chata. não dei atenção. segui a vida a tratar de compromissos e recreios para ver se a vencia pelo cansaço. nada. a danada ganhou forças. tratou de crescer como se fosse bicho. virou enxaqueca e desmontou meus planos. de uns tempos pra cá, a enxaqueca me persegue. não gosta da …

o bom da vida

vou passando pelo tempo recolhendo mimos e carinhos das pessoas que gosto e que gostam de mim. tudo se multiplica em formas diversas: canetas, bombons, telefonemas, sorrisos, abraços, jóias, bloquinhos, livros, atenções, beijinhos, emails, pratos, saladas, mensagens, músicas, almoços, cafés, hospedagens, bilhetes, lupas, lápis, pinceis… ganho paparicos de todos os tipos quase todos dias, gosto muito. as pessoas sabem como me fazer feliz… fui bem …

em Piên

uma vez, mais de 20 anos, fui a Piên. não conheci a cidade porque saí da minha casa e desembarquei direto numa madeireira, um lance que tinha relação com eucaliptos. daquele episódio lembro pouca coisa: vento absurdo que curvava árvores, chacoalhava janelas, e assobiava pequenos redemoinhos no chão; meu interlocutor era um homem com personalidade diferente, jogava a cadeira de diretor para trás em movimentos …

a nadar em rio cristalino

peguei o ônibus Curitiba-Lages, desci em Mafra e segui para Rio Negro, que, pelo que fiquei sabendo não tem mais rodoviária, mas deveria. o passeio pela cidade me fez ter vontade de pular do carro e seguir a pé, a subir e descer morros, atravessar as ruas largas, olhar de perto as flores e bater palmas em frente a uma casa qualquer para pedir um …

boa de cama

boa de cama, é o que eu sou. descobri hoje. um amigo me contou que lê minhas croniquetas para a esposa, à noite. antes de acabar o texto ela já contou carneiros, pescou tubarão e embalou no sono. eu pensei em começar este post de um jeito diferente. com as duas primeiras frases e depois embalar num emaranhado de palavras que conduzisse a uma ideia …

a morte

a morte não deveria se apresentar numa rua, num poste, ponte, numa bala de revólver. nunca fria e soturna num quarto de hospital, numa UTI, com suas multidões de zumbis e médicos e barulhos de bips e luz cinza. o certo seria coroar a vida com um fim cheio de flores e perfumes suaves. de um jeito que o corpo fosse ficando tão leve, tão …

Terremoto de Lisboa

dia desses o Dé me contou sobre como os historiadores se refugiam num fato para colocar ponto final em algumas buscas. em mil setecentos e muito, um super, hiper, ultra terremoto destruiu Lisboa. de tsunami a incêndios, de desmoronamento a mortes, a cidade ficou no chão. o Palácio Real está entre os muitos prédios que tombaram, era dentro dele que funcionava importante biblioteca. mais de …

os solitários

penso sobre solitários. não sobre a solidão, mas sobre aqueles que estão a tocar suas vidas a partir do íntimo deserto que todos vivem e poucos assumem. os clichês pintam uma série de quadros para falar dessas pessoas. solitários conversam com plantas. embalam suas samambaias com carinho e palavras. oferecem elogios, cantam músicas, dão de beber e adubam a companhia silenciosa, verde e condescendente. solitários …

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