Sobre Curitiba Arquivo

retiro

saio do mundo e me tranco em casa,paredes brancasteto branco,início do retiro.aguardo pelo diaque o mar vire sertãoe caia uma noiteescura como sempreestrelada como nunca.sentada, poltrona branca,espero pelo juízo final,piedoso, contemporâneoquase religiosoque, provável, amanhã. tiro tudo do quartoos móveisas coresos quadros,jogo fora todos os sapatose os casacos que ainda teimamna cor azul.remonto os segredos sem imagense sufoco pérolas, esmeraldas e rubisem caixas de veludopara que nunca …

embarcações

me equilibro nessa ponte que flutua no mar das ilusões caminho um pé, outro pé, marcha vagarosa cuidado!, alguém grita – alguém sempre grita. no grito, o susto a queda, a dor. flutuo nesse mar que equilibra ponte de condões respiro um gemido, mais outro, e alguém suspira, alguém vive alguém morre alguém aprende a falar chinês. caminho por esses condões que desafiam pontes e …

mensagens para o futuro

faz muito tempo que iniciei o hábito de escrever cartas para o futuro. de mim para mim. escrevo para continuar dentro de mim mesma sem enlouquecer com a solidão. escrevo porque tenho coisas a dizer. escrevo porque é a única forma de continuar.minhas cartas são os bonecos de neve que construo da matéria que ainda continua em volta. são o salto na piscina que espalha a …

nova língua

rasguei as poesias todas as folhas. puxei do sabugo as letras trôpegas e esmigalhei cada uma. sozinhas, aos pedaços, não são nada a não ser a lembrança, vaga lembrança, de quando eram escolhas. queimei os livros, um por um, sobraram as capas e uma tempestade enfurecida que se joga, incendeia nuvens acaricia o caos, abre-alas para próxima etapa. discuti com as palavras inventei os nomes …

do que é vago, incerto e incompreensível

poucas pessoas entendem do que é feita uma escritora. quase ninguém. ninguém. ninguém além de mim. a frase correta é assim: ninguém imagina o percurso insano que sou obrigada a percorrer para chegar até aqui e batucar esse monte de inutilidades.  ninguém sabe, por exemplo, que todas as noites acordo com frio. e que isso é necessário para que eu cumprimente a madrugada; para que …

o novo

estico as pernas embaixo da mesa do café e estranho a vontade dos músculos, para sempre eles me pedem encolhimento, retração, joelhos dobrados, coluna curvada, olhos nos sapatos. respiro fundo e percebo a felicidade do pulmão. sempre castigado: fumaça, poeira, ares curtos, todos os ácaros. entendo a vontade do corpo, essa hora que marca o grito e o tirar, peça por peça, de toda a …

o sol levanta

do quarto, da cama, deitada, vejo o sol nascendo. antes que ele boie, provoca as cores, refaz o céu, anuncia a estreia.  penso, quieta, que o dia que começa terminará sua volta antes que eu o compreenda, porque são assim todos os dias, generosos e injustos, coloridos e misteriosos. reluto sair da cama porque, presa na contradição, quero mais tempo. e deixo que os ponteiros …

coleção de passado

resolvi dar nomes às rugas. cada vinco, a tradução de sua causa. todos eles, claro, obedecem ao conjunto da idade e seria mais honesto creditar à certidão esse rosto que se precipita em sinais irrecuperáveis. mas nomear minhas linhas com os nomes do meu passado faz minha distinção no mundo. diz quem eu sou, como cheguei até aqui. assim sou única. tenho rugas que se …

parar de escrever

pensei em passar um tempo sem escrever. não traçar nenhuma linha, não conjugar, não tratar de achar os cognitivos para minhas ansiedades. deixar que as letras fiquem em caixas, trancadas, descoladas, misturadas e sem sentido. fiz um plano de leitura. um mergulho em canais fundos em que tenho boiado com certa displicência porque sempre me ocorre alguma coisa para dizer. e quando nada me perturba …

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